A quadrilha presa no último domingo (23) por suspeita de fraude em
vestibulares de faculdade de medicina vendeu gabarito do Exame Nacional
do Ensino Médio (Enem) deste ano para um grupo de 15 a 20 candidatos. A
informação foi divulgada pela Polícia Civil, junto ao Ministério Público
de
Minas Gerais, em uma entrevista coletiva nesta quarta-feira (26), em Belo Horizonte.
Trinta e três pessoas foram detidas pela Polícia Civil na Operação Hemostase II,
durante o processo seletivo da Faculdade de Ciências Médicas, na
capital mineira, no domingo. Investigadores ainda fizeram diligências em
Teófilo Otoni, no Vale de Mucuri, e em Governador Valadares, no Leste
de Minas, além da cidade do Guarujá, no litoral de São Paulo. O
34º suspeito foi preso em Montes Claros nesta terça-feira (25). Ele é apontado como uma das pessoas que teriam agido no Enem.
No
Enem, para que o gabarito chegasse aos candidatos, era usado um
equipamento de telefonia GSM, simulando um cartão de crédito, além do
ponto eletrônico (Foto: André Lana/MPMG/Divulgação)
A investigação é feita há mais de seis meses e começou após uma
denúnica anônima feita ao Ministério Público de Minas Gerais. A
quadrilha, que agiria há cerca de 20 anos, é suspeita de vender
resultados de provas do Enem e do processo seletivo de faculdades de
medicina para candidatos. Os gabaritos eram repassados por meio de
micropontos eletrônicos e um moderno sistema de transmissão de dados.
De acordo com o delegado Antônio Júnio Dutra Prado, coordenador do
Grupo de Combate às Organizações Criminosas da Polícia Civil, que atua
junto ao Ministério Público de Minas Gerais, a quadrilha estava em uma
cidade do interior de Mato Grosso nos dias do Enem, 8 e 9 de novembro
deste ano, de onde transmitiram o gabarito para candidatos que estavam
em ao menos quatro estados. Até o último domingo, o grupo fez o mesmo
esquema em outros cinco processos seletivos de faculdades de medicina do
estado de São Paulo e
Belo Horizonte, e pretendiam repetir a fraude em mais cinco vestibulares até janeiro.
Segundo o delegado, pessoas ligadas à organizaçao do Enem nesta cidade
de Mato Grosso vazaram os cadernos de questões momentos antes das
provas, e "pilotos" resolveram as perguntas de uma pousada da região.
Duas pessoas já foram identificadas pela polícia.
De acordo com o coordenador do Centro de Apoio Operacional de Combate
ao Crime Organizado do MPMG, o procurador André Ubaldino, a fraude no
Enem deve ser investigada pelo Ministério Público Federal (MPF).
“Há também a comprovação de que essa fraude também se operou no Enem.
Em virtude de que o Enem é um concurso, realizado nacionalmente, e sob a
fiscalização e organizado pelo governo federal, entendemos nós, os
técnicos do direito, que esse é um crime que afeta bens, serviços ou
interesse da União. Nessas circunstâncias, muito provavelmente, a
incumbência para promover a ação penal será do Ministério Público
Federal perante a Justiça Federal”, justificou.
Procurado pelo
G1, o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) afirmou que não foi
informado, pela Polícia Civil de Minas, sobre o teor da investigação,
mas disse que já pediu detalhes sobre o caso à Polícia Federal. A nota
esclarece ainda que “o Inep reafirma que qualquer pessoa que tenha
utilizado métodos ilícitos para obter vantagens no Enem será
sumariamente eliminado do exame, sem prejuízo a outras sanções legais.”
Um dos presos na operação em Belo Horizonte
(Foto: Raquel Freitas/G1)
O esquema
A quadrilha é dividida em chefes, pilotos e pessoas que captavam os
candidatos que compraram od gabaritod. Os "pilotos" são especialistas em
várias áreas de conhecimento, como biologia e química, responsáveis por
fazer as provas no menor tempo possível e passar o resultado para os
candidatos envolvidos no esquema pelos equipamentos de transmissão e
micropontos eletrônicos. Antônio Júnio disse que a maior parte destes
pilotos são estudantes dos últimos períodos de medicina.
De acordo com as investigações, uma destas pessoas que captavam candidatos era o pai de Áureo Moura Ferreira, de
Teófilo Otoni,
no Vale do Mucuri. Áureo é apontado como um dos chefes do esquema. O
outro é Carlos Roberto Leite Lobo, empresário que mora no
Guarujá
(SP). Os dois foram levados para o Ceresp Gameleira, em Belo Horizonte,
com mais oito suspeito. Entre os suspeitos de fazer parte do grupo,
está um policial civil de
Governador Valadares, no Leste de Minas, detido na Casa de Custódia do Policial Civil, também na capital mineira.
Para a transmissão dos resultados, a quadrilha usava dois tipos de
equipamentos eletrônicos de alta tecnologia. Durante o Enem, como os
candidatos estavam em estados diferentes do Brasil, era necessário um
equipamento de longo alcance. Então, foi usado um dispositivo de
telefonia GSM parecido com um cartão de crédito. O gabarito era
transferido por celular para todos os candidatos, através do microponto
eletrônico, como se fosse uma ligação em conferência. Esta transmissão
foi registrada pela polícia.
Nas universidades particulares de medicina, como os candidatos estavam
concentrados em um mesmo lugar, foi usado um circuto via rádio. Da mesma
forma, os candidatos recebiam as informações pelo ponto eletrônico.
As investigações apontam que um dos chefes da quadrilha viajou à China
para comprar equipamentos. Também é apurada a participação de empresas,
que teriam auxiliado na importação dos equipamentos.
Nos vestibulares de medicina, candidatos usavam
um circuito via rádio e ponto eletrônico para receber
o gabarito (Foto: André Lana/MPMG/Divulgação)
As fraudes
O delegado Antônio Júnio detalhou que a quadrilha fraudou, além do Enem
deste ano, outros cinco vestibulares de faculdades particulares de
medicina. A primeira foi em uma faculdade de Santo Amaro (SP), no dia 19
de outubro. Depois, o grupo agiu no Enem. A terceira fraude aconteceu,
segundo o delegado, no dia 20 de novembro, durante provas de duas
faculdades de medicina do estado de São Paulo, cujas provas foram
realizadas na capital paulista. No dia seguinte, atuaram no vestibular
de uma faculdade de medicina de Barretos (SP), cujo exame também foi na
cidade de São Paulo, e no dia 23, na Faculdade de Ciências Médicas, em
Belo Horizonte.
Para repassar as instruções da fraude, o grupo reservava espaços em
hotéis, onde os candidatos se reuniam com a quadrilha. Segundo o
delegado, as orientações eram detalhadas, e o bando dizia aos estudantes
como agir até caso fossem flagrados com o ponto eletrônico.
O delegado explica por que a polícia não atuou nos vestibulares em São
Paulo. "A gente não atuou no momento em que estava ocorrendo as provas
porque a gente estava acobertado no instituto legal que nos autoriza a
não agir naquele momento para obter maior número de informações e
identificar maior número de pessoas", justificou.
O bando ainda planejava atuar em mais cinco vestibulares de faculdades particulares de medicina em
São Paulo até janeiro, segundo o delegado. Os nomes das faculdades não foram divulgados.
A investigação ainda não chegou à dimensão do valor total movimentado
pelo grupo, mas estima-se que somente um dos chefes faturaria R$ 3
milhões com esta temporada de provas, entre outubro e janeiro. De acordo
com Antônio Júnio, para os vestibulares de medicina, era cobrado entre
R$ 50 mil e R$ 70 mil. Antes das avaliações, era dado um sinal no valor
de 10%, e o restante era pago após a aprovação. Já no Enem, há um caso
em que a transação foi fechada em R$ 200 mil.
Conforme o promotor titular da Promotoria de Combate ao Crime
Organizado, André Luís Garcia de Pinho, durante as investigações não foi
verificada a participação de nenhum funcionário das faculdades
particulares e nem anuência das instituições.
Para o procurador André Ubaldino, há duas situações que podem vir a
resultar no cancelamento do Enem, mas que dependem da análise da
dimensão da fraude e do entendimento do responsável pela investigações.
"Por um ato da própria administração, reconhecendo que o concurso foi
viciado, o que o governo federal pode evidentemente fazer quando
conhecer a dimensão da fraude e avaliá-la, e essa dimensão nós só
saberemos após o exame do material que vem sendo apreendido; como pode
ser por uma ordem judicial, que pode evidentemente vir a acontecer,
dependendo como interpretar isso o Ministério Público Federal, que será o
provável destinatário dessa documentação", esclarece.
Os suspeitos de integrar o grupo podem responder por formação de
organização criminosa, fraude em certame de interesse público, falsidade
ideológica e lavagem de dinheiro. Já os candidatos que se beneficiaram
com os esquema devem responder pelo crime de fraude.