A renúncia da governadora do Maranhão a 22 dias do final do mandato põe fim, ao menos por enquanto, a um triste período da história política, econômica e social do nosso estado. Uma etapa que precisa ser esquecida, pois é uma demonstração de como não se deve administrar a coisa pública. Uma sequência de equívocos que prejudicou gerações. A ressalva acima, de ao menos por enquanto, é porque o grupo continua vivo, é poderoso, tem forte inserção midiática e influência em Brasília. Qualquer vacilo ou lentidão nas ações que se esperam ser incisivas a partir de 1º de janeiro, abrirá brechas para que eles pavimentem terreno para o regresso.
Os juízes que fizeram voltar aquele grupo ao poder em abril de 2009 deveriam avaliar, a posteriori, as consequências previsíveis daquele veredito que ceifou a vontade de mais de um milhão de maranhenses que haviam escolhido livremente outro governante. A maioria dos maranhenses havia votado ancorada no visível circuito virtuoso de progresso que o estado experimentava no período que começou em 2002 e se estendeu até dezembro de 2006. Um lapso de tempo em que foi possível demonstrar que apenas gerindo a coisa pública com seriedade é possível encontrar resultados interessantes e resgatar a autoestima de uma população carente. Um período que mostrou e confirmou, em definitivo, que a grande vocação maranhense é a agricultura. Mesmo porque ela requer investimentos bem mais reduzidos para mostrar resultados; sobretudo num estado que apresenta as evidentes carências de qualificação da força de trabalho, como é o Maranhão. Pensar em fazer intervenção que promova atração de setores sofisticados de transformação e indústria com os atuais indicadores de qualificação da força de trabalho dos maranhenses implica em trazer, junto, mão de obra alienígena. Nos primórdios do deslanchar um processo sustentado de desenvolvimento deve-se fazê-lo no que se tem de abundante em dotação de recursos. No Maranhão temos uma natureza exuberante, recursos naturais, solos, pluviosidade e gente com baixa qualificação. Então o processo para deslanchar o desenvolvimento tem duas vertentes: no curto prazo fazer a renda crescer no setor em que tem vantagem comparativa (agricultura), gerar ocupação e evitar que populações emigrem de forma desordenada. Ao mesmo tempo deve-se fomentar um processo de radicalização da educação, preparando futuras gerações; aí, sim, para procedimentos mais avançados de produção, tendo um setor agrícola pujante produzindo com tecnologia alimentos e matérias primas, inclusive agroenergéticas.
A decisão da ex-governadora é, no mínimo, um ato de não acato aos preceitos democráticos, bastante em vigor neste país nos últimos doze anos. A salutar alternância de poder faz parte do revigoramento do processo democrático. Não aceitar este fato é um desrespeito com quem de fato decide. A população que vota, de preferência de forma esclarecida e livre de qualquer amarra.
Os atuais detentores do poder que tudo fizeram para conquistá-lo sem o aval da população, e por via judicial, deixam o estado em frangalhos, antes de completar o tempo regulamentar, numa evidente demonstração de que queriam o poder para exercê-lo sem comprometimento com as grandes carências de um dos estados mais promissores do Brasil, mas que tem a sua população empobrecida devido a atos como este de agora.
Além da herança maldita das contas públicas do estado, os governantes que abandonam o barco em plena turbulência deixam os indicadores a seguir.
Vejamos alguns dos indicadores atuais, comparativamente ao que acontecia em 2008, um ano antes da decisão judicial que tirou o governador democraticamente eleito, e colocou uma governadora não eleita para promover uma sequência de desmandos no estado. As informações brutas da análise estão nas PNAD/IBGE.
Ao final de 2008, o Maranhão tinha 841.409 analfabetos maiores de 15 anos, numa população de 4.323.775 naquela faixa etária. Portanto, a taxa de analfabetismo (19,5%) do estado naquele ano era alta, mas vinha declinando desde 2004. Em 2013, quatro anos depois da atual ex-governadora, os maranhenses maiores de 15 anos que se declararam analfabetos somavam incríveis 948.748 sujeitos infelizes, ou 107.339 a mais do que em 2008. A taxa de analfabetismo dos maranhenses ascendeu para19,8%.
Em 2008, o percentual dos domicílios maranhenses que tinham acesso ao esgotamento sanitário era de apenas 13,4%. E este número vinha num incremento em face dos esforços do governo que começou em 2002. Em 2013, o governo que agora decide sair de campo antes de terminar o tempo regulamentar, conseguiu a proeza de reduzir aquele sofrível percentual para apenas 10,4% dos domicílios.
Outro indicador que evidencia bem o estágio em que se encontra a população maranhense diz respeito ao percentual da população que sobrevive em domicílios cuja renda total domiciliar varia de zero a dois salários mínimos, onde residem os pobres. Em 2008 o percentual era de 55%. Em 2013, este percentual ascendeu para 56,3%. Isto implica dizer que populações que estavam em estratos de renda domiciliar superiores “migraram” para os de mais baixa renda, por falta de oportunidades. Não é por acaso que no estado, proporcionalmente, existe a maior população beneficiada pelos programas de transferência de renda e apresentou a maior votação da atual Presidente.
Poderia continuar mostrando os desastres na produção agrícola familiar, como acesso ao PRONAF em que em 2006 o Maranhão apresentou a segunda maior inserção no Nordeste desde que o programa foi criado. Em 2012 ficou na sexta posição na região, provocando queda expressiva na produção agrícola familiar. Noutra oportunidade mostrarei esse desastre. As evidências acima sinalizam o tamanho do problema que os maranhenses enfrentarão. Felizmente, com essa gente, tomara que definitivamente, distante dos poderes de decisão.
(José Lemos – Professor Associado e Coordenador do Laboratório do Semiárido (LabSar) na Universidade Federal do Ceará. www.lemos.pro.br)